Estudo
recentemente publicado na revista Nature
aponta que neurônios vizinhos em uma antena de mosca das frutas podem parar (ou
“bloquear”) um ao outro mesmo quando não compartilham uma conexão direta. Isso
ajuda o inseto a processar cheiros. Esse tipo de comunicação, chamada
acoplamento efáptico, acontece quando o campo elétrico produzido por um
neurônio silencia o seu vizinho, em vez de enviar um neurotransmissor por uma
sinapse. “O acoplamento efáptico já está na literatura científica há um bom
tempo, mas existem poucos casos nos quais estas interações afetam o
comportamento de um organismo”, aponta John Carlson, biólogo da Universidade de
Yale (Connecticut, Estados Unidos), primeiro autor do estudo. A presença dessas
interações em órgãos de sentido foi prevista em 2004, mas conseguir demonstrar
que elas realmente aconteciam exigia um experimento difícil, engenhoso e
completo.
Nas
antenas da Drosophila melanogaster, os neurônios olfativos estão agrupados em pelos
preenchidos por fluidos, chamados sensilas. Cada um contém dois a quatro
neurônios, que estão todos sintonizados em diferentes cheiros e agrupados de
formas específicas. “Um neurônio para o morango é sempre pareado com um
neurônio para a pera, por exemplo”, explica Carlson. “Todos esses neurônios já
foram bem caracterizados, então sabemos como são organizados.”
O
estudo focalizou uma sensila chamada ab3, que contém dois neurônios: o ab3A,
sensível ao metil-hexanoato das frutas, e o ab3B, que detecta o 2-heptano do
cheiro da banana. Quando os pesquisadores expuseram as moscas a um fluxo
constante de metil-hexanoato, o neurônio A disparou continuamente. Se as moscas
eram expostas a uma breve explosão de 2-heptanona, o neurônio B entrava em
ação, e o A de repente desligava. O contrário também aconteceu: uma breve
explosão de atividade em A silenciou a atividade constante de B.
As
mesmas interações foram vistas em quatro outros tipos de sensilas na mosca da
fruta, bem como no mosquito da malária Anopheles
gambiae. Apesar dessas interações claras, os neurônios em uma sensila não
compartilhavam nenhuma sinapse. O comportamento se repetiu mesmo que fosse
usado um químico bloqueador de sinapse, mesmo quando os padrões de disparo não
se coordenavam, e mesmo se as antenas fossem decepadas, separando-as do contato
com qualquer neurônio central.
A
conclusão é de que, em vez de sinapses, os neurônios provavelmente se comuniquem
através do fluido que os cerca. Quando um deles dispara, cria um campo elétrico
que muda o fluxo dos íons até o outro e desliga a sua atividade elétrica.
O
experimento ainda mostrou que essa atividade é forte o suficiente para alterar
o comportamento da mosca. Para tanto, os cientistas usaram uma sensila com dois
neurônios: um que leva à atração de uma mosca por vinagre de maçã, e outro que
a faz evitar dióxido de carbono. Em seguida, a equipe bloqueou o neurônio da
atração por vinagre, mantendo o da repulsão por dióxido de carbono. As moscas
foram colocadas em um labirinto com duas vias que cheiravam a dióxido de
carbono, mas somente uma que também cheirava a vinagre. As moscas escolheram o
lado aromatizado com vinagre. Porém, não escolheram o cheiro de vinagre na
ausência do cheiro de dióxido de carbono.
Isso
sugere que o neurônio da atração ao vinagre, mesmo bloqueado no cérebro, podia
ainda inibir o neurônio de dióxido de carbono vizinho. Quando ambos os produtos
químicos estavam no ar, as moscas não se sentiam mais repelidas pelo dióxido de
carbono.
Segundo
os cientistas, esse tipo de interação neuronal é importante para a mosca, que
pode estar com o olfato inundado com um cheiro forte, mas ainda assim precisar
perceber um odor de comida, por mais fraco que seja.
Outra
coisa que o experimento mostrou é que o cérebro não é o
único responsável pelo sentido do olfato: os neurônios que fazem sua detecção
também têm papel importante. Isso, possivelmente, também acontece com os seres
humanos – mas tal implicação ainda não foi investigada.
Nota:
Um mecanismo com tamanha complexidade e tão necessário seria fruto de mutações
casuais filtradas pela seleção natural?[MB]